Gleiser: dos Elétrons ao Amor
A Realidade
Costumamos achar que sabemos o que é o mundo real, esse que vemos à nossa volta. Basta abrir os olhos, apurar os ouvidos e temos esse retrato do que é a realidade, baseado na nossa percepção sensorial.
Mas será que é só isso? Será que o que vemos e ouvimos pode ser chamado de realidade?
Um dos aspectos mais extraordinários da ciência é como ela nos permite ampliar nossa visão do real.
E um dos aspectos mais paradoxais é que quanto mais aprendemos sobre o mundo, menos clara nos é a natureza da realidade.
Platão, na Grécia Antiga, já antecipara o problema. Em sua Alegoria da Caverna, que aparece no diálogo A República, ele imagina um grupo de “escravos” acorrentados numa caverna desde seu nascimento.
Sua percepção da realidade se restringe à parede da caverna na sua frente, que é tudo que podem ver.
Para eles, o que aparece na parede é o mundo real.
Sem que eles saibam, atrás deles um grupo de filósofos fizeram uma fogueira que lança sua luz na parede.
Em frente ao fogo, os filósofos seguram objetos e os escravos veem as sombras projetadas na parede, achando que os objetos são reais.
Obviamente, a projeção na parede não corresponde ao objeto: por exemplo, uma bola aparece como um círculo.
O ponto de Platão é que nossa percepção sensorial cria uma noção falsa do real.
Como disse a Raposa ao Pequeno Príncipe, o essencial é invisível aos olhos.
Na história da física, o que chamamos de realidade também muda. Antes de Copérnico, o cosmo tinha a Terra no centro, e o sol e planetas girando à sua volta.
O universo era fechado, na forma duma esfera, e Deus e sua corte habitavam a esfera mais externa.
Quando Newton propôs sua teoria da gravitação, percebeu que o cosmo não poderia ser finito; apenas um cosmo infinito, onde as estrelas estavam separadas e equilibradas (precariamente), seria estável.
De repente, a realidade muda, e o homem se vê num universo infinito, envolto em trevas.
Qual o lugar do homem nesse novo universo?
Para complicar, as ideias de Newton levaram a um determinismo radical onde o futuro poderia ser calculado, ao menos em princípio, a partir do presente. Se isso fosse verdade, não haveria mais o livre arbítrio; todas as ações estariam predeterminadas pela precisa maquinaria cósmica.
A liberdade que achamos ter seria uma ilusão. Felizmente, esse determinismo não durou muito.
No início do século XX, a física quântica pôs fim à noção de que podemos usar a física como oráculo.
O princípio de incerteza de Heisenberg mostrou que não podemos medir a posição e a velocidade de uma partícula conjuntamente, o que torna a determinação precisa de seu futuro impossível.
Ademais, o mundo quântico nos mostra que a própria natureza da realidade é elusiva: não vemos um elétron ou um fóton, a partícula da luz; sua existência é medida com detectores, aferida indiretamente.
O mundo do muito pequeno, que tanto define nossas vidas através das tecnologias digitais que usamos, é um mundo inacessível aos sentidos.
Não podemos nem mesmo atribuir existência a uma partícula antes de a detectarmos — a realidade é definida pelo modo como interagimos com ela.
Isso cria um novo modo de se ver o mundo: sempre existirão aspectos da realidade que são desconhecidos; mas o surpreendente é que existem outros que são inacessíveis.
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